Como identificar os sinais de quem sofre com transtorno bipolar?

O dia 30 de março se tornou o Dia Mundial do Transtorno Bipolar em homenagem ao aniversário do pintor Vincent Van Gogh, que foi diagnosticado após a morte como possível portador da chamada bipolaridade. Estima-se que no Brasil cerca de 8% da população tenha bipolaridade, um transtorno mental muito estigmatizado. O objetivo da data é chamar a consciência mundial para transtornos bipolares e eliminar o estigma social em torno da grande, que ainda é elevadíssimo e, infelizmente, sinônimo muitas vezes de chacota.

No passado, quem sofria com a doença era conhecido como maníaco depressivo por oscilar entre a fase da mania (agitação intensa) com a depressão muitas vezes profunda. Por sua grande complexidade e difícil diagnóstico, trata-se de uma doença mental que representa um desafio significativo para portadores, profissionais de saúde, familiares e comunidades, já que traz forte impacto na vida da pessoa e de seus familiares, comprometendo aspectos sociais, afetivos e profissionais.

De acordo com Adiel Rios, Mestre em Psiquiatria pela Unifesp e pesquisador do Programa de Transtorno Bipolar do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IpQ-HCFMUSP); o transtorno bipolar é altamente incapacitante e está associado à mortalidade prematura. Uma taxa mais alta de doenças cardiovasculares comórbidas e taxas de suicídio explicam em grande parte a expectativa de vida reduzida.

A doença é crônica, caracterizada pela recorrência de episódios de mania/hipomania e depressão, com prevalência estimada na população em torno de 1 a 2,4%. As manifestações clínicas geralmente aparecem no final da adolescência e início da fase adulta, o que leva a grandes deficiências, redução da expectativa de vida e altas taxas de mortalidade.

Como identificar

No episódio de mania, o portador apresenta um aumento da energia, euforia, uma alegria intensa e felicidade fora do normal. Também apresenta ideias de grandeza, superioridade ou elevada autoestima e autoconfiança excessiva, que pode atingir um grau fora da realidade. A pessoa pode apresentar também irritabilidade e impulsividade de forma exacerbada.

“O pensamento fica acelerado, muitas ideias e projetos fluem simultaneamente ou numa sequência tão rápida que fica difícil entender sobre qual assunto a pessoa está falando”, diz o psiquiatra.

Há diminuição da necessidade de sono, comportamento sexual excessivo, descontrole nos gastos e atitudes sem a percepção de sua inadequação. Fica agitado, eventualmente agressivo, distraído e totalmente desconcentrado. Segundo Adiel, a hipomania tem características similares ao de mania, mas os sintomas são mais brandos.

Já o episódio de depressão se caracteriza por tristeza profunda, perda de interesse por tudo, pensamentos negativos (ideias de ruína, culpa, inutilidade, baixa autoestima) que podem ser intensos a ponto de configurar um delírio. Há modificações no sono: enquanto algumas pessoas têm insônia, outras apresentam hipersonia (dormem mais do que o habitual).

Em relação ao apetite, pode haver aumento no consumo de alimentos como forma de aliviar a ansiedade. No entanto, a perda de apetite é mais comum neste quadro. Há também diminuição da libido, perda do prazer, fadiga excessiva e desinteresse por tudo. “A pessoa mal tem vontade de levantar da cama pela manhã ou não existe forças para realizar suas atividades básicas da vida diária”, ressalta o psiquiatra.

A sequência de manifestação dos episódios maníacos/hipomaníacos e depressivos é variada, ou seja, não acontece, necessariamente, de forma alternada. Os eventos de hipomania e mania, assim como os de depressão, têm duração, em geral, de dias ou semanas.

Apesar de a doença se manifestar mais comumente no adulto jovem, ela pode acometer pessoas mais velhas, inclusive na terceira idade. Atinge ambos os sexos numa proporção semelhante e perdura a vida toda, ou seja, não tem cura, mas pode ser controlada.

A causa exata do transtorno bipolar é desconhecida, mas estudos sugerem que o problema pode estar associado a alterações em certas áreas do cérebro e nos níveis de vários neurotransmissores, como noradrenalina, serotonina e dopamina. Esse desequilíbrio reflete uma base genética ou hereditária para o transtorno. Há também fatores ambientais/externos, conhecidos como epigenéticos, como o uso de substâncias psicoativas (anfetaminas, álcool e cocaína, por exemplo).

Prejuízos à qualidade de vida e relações sociais

Segundo a médica psiquiatra Renata Nayara Figueiredo, presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr), o critério fundamental para diagnosticar o transtorno bipolar é pelo menos um episódio de euforia, reconhecido como humor elevado ou irritado, que pode ser leve a grave. “Esses episódios podem causar prejuízos e interferir nas relações sociais e na qualidade de vida da pessoa”, completa.

Renata ressalta que é importante buscar um médico psiquiatra para que haja um diagnóstico correto e precoce, e que o paciente e sua família entendam o transtorno sem estigmas. “O paciente bipolar tem sua imagem erroneamente associada à instabilidade e à imprevisibilidade. A redução do estigma é importante para melhorar a adesão ao tratamento”, completa.

A especialista aponta que para o paciente ser diagnosticado com transtorno bipolar, ele precisa apresentar episódios maníacos ou hipomaníacos e/ou depressivo. É comum que a pessoa receba um diagnóstico tardio, especialmente quando os primeiros episódios são depressivos, que podem ser confundidos com outros transtornos psicológicos.

Diagnóstico pode levar até 10 anos

O diagnóstico costuma ser bastante difícil e pode demorar em média dez anos para ser estabelecido devido a tratamentos equivocados, ausência de comunicação entre os profissionais envolvidos, desconhecimento sobre como a doença se manifesta (seja pela falta de conhecimento como pela confusão dos seus sintomas com os de outros tipos de depressão), preconceito e autoestigmatização.

O histórico do indivíduo é decisivo para o diagnóstico conclusivo, já que alterações de humor anteriores, episódios atuais ou passados de depressão, histórico familiar de perturbação do humor ou suicídio e ausência de resposta ao tratamento com antidepressivos alertam para o diagnóstico do transtorno bipolar.

“A maioria dos pacientes não procura o psiquiatra na fase de hipomania, mas apenas quando entram em depressão. Se o diagnóstico não for exato, ou seja, se não houver uma maior investigação que aponte o transtorno bipolar, o uso de medicações antidepressivas, sem estabilização do humor, pode piorar o quadro”, pontua Adiel Rios

Relação com suicídio é alta

O transtorno bipolar é uma das doenças psiquiátricas com maior índice de suicídios, ao lado da depressão. Segundo a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar, de 30% a 50% dos pacientes com o diagnóstico tentam o suicídio, sendo que cerca de 15% cometem o ato.

No quadro agudo de euforia, a pessoa tem a sensação de que pode tudo, inclusive se colocar em situações de risco, podendo levar ao ato suicida. Já na depressão, a intensidade da angústia, da perda de interesse pela vida e dos pensamentos sempre negativos acaba chegando ao extremo do suicídio.

“Por isso, no transtorno bipolar, detectar os sintomas e o risco de um quadro suicida é uma tarefa ainda mais complexa, pois tanto na fase depressiva quanto na euforia existe a possibilidade de o paciente chegar ao ponto do suicídio”, destaca o psiquiatra.

Entenda os principais sinais

De acordo com a médica, quando a pessoa está em episódio depressivo ela pode apresentar sentimentos persistentes de inutilidade, rejeição, angústia, vazio e culpa. “Discursos pessimistas, desanimadores e crises de choro persistentes são frequentes”, acrescenta. Além desses sinais, o paciente também pode apresentar:

Dificuldade de concentração e tomada de decisões;
Baixa autoestima;
Cansaço constante e lentidão na fala e movimentos;
Insônia ou hipersonia;
Pensamentos suicidas;
Irritabilidade e explosões de raiva;
Ansiedade ou inquietação;
Diminuição de libido e de prazer em atividades que antes eram agradáveis.

Os pacientes ainda podem apresentar sinais físicos, como cefaléia, dores pelo corpo, pressão no peito e sintomas gastrointestinais.Segundo a psiquiatra, os episódios de mania e hipomania são muito similares. “Na mania, a pessoa tem oscilações graves de humor, podendo ou não ter sintomas psicóticos, ao contrário da hipomania, que por definição, não apresenta sintomas psicóticos e as oscilações de humor são mais leves”, explica a Dra. Renata. Ela complementa que os sintomas e sinais apresentados em episódios de mania e hipomania são:

Autoestima elevada;
Irritabilidade e agressividade;
Sentimento de grandeza e invencibilidade;
Alegria e bem-estar inabaláveis;
Fala acelerada e excessiva;
Se envolve em atividades e ações de alto risco, como investimentos e esportes radicais;
Hiperatividade e pensamentos acelerados;
Alto libido e ausência de medo;
Baixa necessidade de sono.

A depender da gravidade do episódio de mania, o paciente pode vir a ser internado em clínicas para receber o tratamento adequado. “Em crianças e adolescentes, os sintomas são os mesmos, porém, podem ser confundidos com falta de educação e birra”, pontua. Ela continua: “isso acontece porque geralmente eles têm dificuldades em se expressar e nomear as próprias emoções ou por acharem que estas características são típicas dessas fases”.Tratamento

Bipolaridade não tem cura, mas tem tratamento

De acordo com a Dra Renata, o transtorno bipolar não tem cura, mas pode ser estabilizado com acompanhamento psiquiátrico e psicológico. “Em alguns casos, o médico psiquiatra pode prescrever medicação, mas é imprescindível que os familiares também participem do tratamento e façam acompanhamento psicológico”, conclui.

O tratamento depende da fase da doença. De acordo com Adiel Rios, os quadros maníacos/hipomaníacos são tratados com estabilizadores do humor, como o lítio, anticonvulsivantes e antipsicóticos. Já nos quadros depressivos podem ser antidepressivos devidamente associadas com estabilizadores do humor e por curto período de tempo, para evitar a ocorrência de um quadro maníaco/hipomaníaco.

“Os sintomas de depressão são a causa mais frequente de incapacidade, sendo que mais da metade dos pacientes em episódios depressivos não respondem adequadamente aos tratamentos disponíveis. Portanto, há uma necessidade urgente de tratamentos coadjuvantes, visando à remissão completa do transtorno, Na dúvida quanto à possibilidade de ser portador de transtorno bipolar, consulte o quanto antes um médico psiquiatra, que poderá fazer a avaliação dos sintomas, o diagnóstico e indicar o tratamento adequado”, finaliza.

Segundo a ABRATA, a adesão aos tratamentos tem como importância:

Redução das chances de recorrência de crises;

Controle da evolução do transtorno;

Redução das chances de suicídio;

Redução da intensidade de eventuais episódios;

Promoção de uma vida mais saudável.

Fonte: www.vidaeacao.com.br

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