O Novo Tabu da Saúde Mental: Quando o Excesso de Terapia Vira um Problema

Nos últimos anos, a terapia psicológica se tornou quase um mantra do bem-estar. "Faça terapia!", dizem os influenciadores. "Todo mundo precisa!", repetem campanhas de conscientização. De fato, quebramos um grande tabu ao normalizar o cuidado com a saúde mental. Mas agora surge uma nova pergunta, mais incômoda e menos discutida: será que existe um limite para a terapia? Em que momento o processo, que deveria ser libertador, pode se transformar em um ciclo sem fim de dependência emocional e autoanálise excessiva?

A psicoterapia é uma ferramenta fundamental no tratamento de transtornos mentais e no fortalecimento da resiliência emocional. Mas há uma linha tênue entre um processo terapêutico saudável e um prolongamento desnecessário que pode, ironicamente, reforçar a insegurança do paciente. Estudos sugerem que, para a maioria das pessoas, a terapia tem um tempo ideal de duração, mas a pressão cultural para permanecer em tratamento pode estar criando uma nova forma de aprisionamento psicológico.

A Armadilha da Terapia Sem Fim

A eficácia da psicoterapia é amplamente comprovada, mas um dado importante muitas vezes é ignorado: a maioria dos pacientes apresenta avanços significativos entre 12 e 20 sessões. Um estudo publicado no Journal of Consulting and Clinical Psychology revelou que metade dos pacientes sente melhora substancial após apenas oito sessões, e três quartos deles progridem significativamente em até seis meses. Então, por que alguns passam anos ou até décadas em terapia?

A resposta pode estar no fenômeno da dependência terapêutica. Alguns pacientes começam a enxergar o terapeuta como sua principal fonte de validação emocional. Sentem-se incapazes de tomar decisões importantes sem uma sessão de terapia. A terapia, que deveria capacitá-los para a vida, passa a ser o lugar onde se sentem seguros para existir.

Isso cria um paradoxo: a pessoa que busca terapia para encontrar autonomia emocional pode acabar se tornando refém dela. Em vez de fortalecer a própria capacidade de resolver problemas, o paciente pode desenvolver uma espécie de "passividade emocional", acreditando que só pode avançar com a ajuda do terapeuta. E o mais perigoso? Isso pode acontecer sem que ninguém perceba.

Outro ponto pouco falado é que revisitar traumas constantemente pode reforçar o sofrimento em vez de curá-lo. A ideia de que falar sobre um problema repetidamente sempre leva à superação não é necessariamente verdadeira. Um artigo da American Psychological Association alertou que algumas abordagens terapêuticas podem fazer com que os pacientes se identifiquem excessivamente com seus problemas, dificultando a construção de novas narrativas sobre si mesmos. O foco excessivo no que está errado pode obscurecer o que já está funcionando bem.

Quando a Terapia Se Torna Parte do Problema

A cultura do "faça terapia para sempre" também pode gerar outro efeito colateral: o medo da alta. Em vez de ser vista como um sucesso terapêutico, a conclusão do tratamento pode ser interpretada como um abandono ou um retrocesso. Isso cria uma pressão para continuar, mesmo quando já não há uma necessidade real.

Para alguns profissionais, pode ser difícil estabelecer um ponto final no tratamento. Em alguns casos, terapeutas evitam discutir a alta com seus pacientes por receio de que eles se sintam rejeitados ou porque não estruturam seu trabalho com um objetivo de encerramento. Em outros, há incentivos financeiros para manter um paciente em terapia por tempo indeterminado.

Um estudo publicado na Psychotherapy Research analisou pacientes que permaneceram anos em terapia sem progresso significativo e descobriu que muitos deles continuavam o tratamento mais por hábito do que por necessidade. A ausência de um plano claro de alta gerava maior angústia emocional, reforçando a ideia de que sair da terapia era um risco e não uma conquista.

Sinais de que a terapia pode estar se tornando parte do problema incluem:

- Você sente que precisa da terapia para tomar decisões básicas.

- As sessões parecem girar em torno dos mesmos temas sem avanços reais.

- Não há um plano claro de metas e de encerramento do tratamento.

- Você se sente mais focado nos seus problemas do que em soluções.

- A terapia se tornou um compromisso automático, sem questionamento sobre sua utilidade.

Isso não significa que a terapia seja desnecessária, muito menos prejudicial. Mas o processo terapêutico precisa ser constantemente reavaliado para garantir que continua sendo um meio de crescimento, e não uma nova forma de estagnação emocional.

Terapia Boa Tem Começo, Meio e Fim

A terapia deve ser um meio para um fim: o fortalecimento emocional do paciente. Algumas práticas podem garantir que o tratamento seja produtivo:

1. Objetivos Claros – Desde o início, é essencial definir o que se espera da terapia.

2. Revisão Periódica – Perguntar-se regularmente: "Ainda estou avançando?"

3. Independência Progressiva – Aplicar no dia a dia as ferramentas aprendidas na terapia, sem precisar da validação do terapeuta.

4. Planejamento da Alta – A terapia deve ter um fim planejado, assim como qualquer outro tratamento eficaz.

A Terapia Não Deve Ser um Lugar Para se Esconder

A terapia se popularizou, e isso foi uma grande conquista. Mas agora precisamos aprender a usá-la com inteligência. Ajudar alguém a desenvolver saúde mental significa ensiná-lo a viver sem depender do terapeuta. Se um tratamento eficaz é aquele que leva à cura ou ao manejo independente de uma condição, por que deveríamos pensar diferente quando se trata da mente?

A maior prova de que a terapia deu certo é quando ela se torna desnecessária. Esse é um tabu que precisamos quebrar.

Referências

- American Psychological Association APA. Harmful Treatments in Psychotherapy.

- Lambert, M. J. 2013. The Efficacy and Effectiveness of Psychotherapy. Journal of Consulting and Clinical Psychology.

- Wampold, B. E., & Imel, Z. E. 2015. The Great Psychotherapy Debate: The Evidence for What Makes Psychotherapy Work. Routledge.

- Levenson, H. 2017. Time-Limited Dynamic Psychotherapy: A Guide to Clinical Practice. American Psychological Association.

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